Vacina brasileira contra dengue tem eficácia de quase 80%

Estudo publicado em revista científica internacional mostra que imunizante do Butantan tem vantagens sobre as duas vacinas já disponíveis no mercado

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Em meio ao alvoroço em torno do aumento significativo dos casos de dengue no Brasil e à chegada no Sistema Único de Saúde (SUS) da esperada vacina produzida pelo laboratório japonês Takeda, uma novidade vem da própria rede pública. Uma única dose da vacina contra a dengue desenvolvida pelo Instituto Butantan, em São Paulo, é capaz de evitar o adoecimento em quase 80% dos vacinados (79,6%), ao longo de um período de dois anos.

Em artigo publicado nesta quinta-feira (1), no New England Journal of Medicine, uma das mais prestigiadas revistas científicas do mundo, pesquisadores detalham os primeiros resultados do ensaio clínico da fase 3 do seu imunizante, denominado Butantan-DV, para cada subgrupo avaliado. O artigo mostra o alto perfil de segurança e eficácia em pessoas com e sem exposição prévia ao vírus.

Feita com versões atenuadas dos quatro sorotipos do vírus da dengue que circulam no Brasil (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4), a vacina tetravalente contra a dengue protege tanto quem já tinha tido a doença, como aqueles sem infecção prévia. O imunizante teve o mesmo perfil de segurança em ambos os grupos, representando uma vantagem em relação a outros disponíveis no mercado privado que são indicados preferencialmente para pessoas que já tiveram a doença.

Em relação à segurança, a maioria das reações adversas foi classificada como leve a moderada, sendo as principais dor e vermelhidão no local da injeção, dor de cabeça e fadiga. Eventos adversos sérios relacionados à vacina foram registrados em menos de 0,1% dos vacinados, e todos se recuperaram totalmente.

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Dose única pode baratear custo para o SUS e ampliar acesso

A divulgação do estudo fortalece a possibilidade de aprovação da vacina do Butantan pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Uma vantagem é que o imunizante poderá ser produzido totalmente no Brasil e oferecido em dose única – diferente da Qdenga, da Takeda, que necessita de duas doses -, barateando o custo para o SUS.

Com o imunizante concorrente, a expectativa é permitir que toda a população seja imunizada, e não apenas crianças de 10 a 14 anos, público-alvo da campanha que começa este mês no SUS.  A restrição, segundo o Ministério da Saúde, foi devido à indisponibilidade de mais doses pelo fabricante.

O Butantan-DV também se mostrou segura e eficaz para uma ampla faixa etária estudada – de 2 a 59 anos –, tanto entre os voluntários com histórico de infecção prévia quanto entre aqueles nunca antes infectados.

Apesar de ser o público mais vulnerável, idosos (acima de 60 anos) também não podem receber a vacina da Takeda, que é recomendada apenas para o público de 4 a 60 anos, sendo vendida por até R$ 1 mil as duas doses em farmácias e clínicas de imunização privadas.

Vantagens em relação às duas vacinas disponíveis no mercado

Uma grande vantagem potencial da candidata a imunizante do Butantan é que uma dose foi suficiente para fornecer uma proteção robusta contra a dengue, enquanto outras vacinas aprovadas exigem duas ou três doses.

O esquema de dose única é muito mais favorável, principalmente durante epidemias, pois induz a proteção da população em um curto espaço de tempo, ajuda a alcançar uma maior cobertura vacinal e traz vantagens logísticas e econômicas.

De acordo com os autores do estudo, o esquema de dose única da Butantan-DV traz vantagens logísticas e econômicas, conferindo proteção rápida para a população em caso de surto epidêmico ou para pessoas sem imunidade que precisam viajar a locais onde a doença é endêmica.

O virologista Maurício Lacerda Nogueira, um dos coordenadores da pesquisa, destacou que a vacina do Butantan se mostrou extremamente segura também para pessoas que nunca tiveram dengue, o que é uma vantagem em relação aos imunizantes já disponíveis no mercado.

“Além disso, ela abrange uma faixa etária mais ampla e é uma vacina monodose”, destaca Nogueira, que é professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), um dos centros que integraram a pesquisa.

Outras vacinas já aprovadas

Esta deverá ser a terceira vacina disponível no Brasil para prevenção de casos graves de dengue. Até o momento, há duas vacinas com esta finalidade já aprovadas pela Anvisa:

Dengvaxia, da farmacêutica Sanofi Pasteur, que requer três aplicações e é indicada para pessoas de 9 a 45 anos que já tiveram dengue.

Qdenga, do laboratório Takeda, cuja aplicação no Brasil deve começar agora em fevereiro para pessoas entre 4 e 60 anos (independentemente do status sorológico). Neste caso, serão necessárias duas doses para completar a imunização.

Oferta da vacina ao público só deve ocorrer em 2025

O infectologista Esper Kallás, principal investigador do estudo e também diretor do Butantan, disse que os dados de fase 3 “são muito animadores”, e que tudo só foi possível “graças à colaboração generosa dos participantes que se voluntariaram para o estudo”.

“A publicação deste artigo na principal revista médica do mundo atesta o rigor e a qualidade dos ensaios clínicos conduzidos pelo Butantan. Também reforça a capacidade dos centros de pesquisa e cientistas envolvidos no projeto e o reconhecimento internacional do Instituto”, disse ‘Agência Fapesp’ o primeiro autor do estudo.

Apesar da boa notícia, que reforça o potencial das instituições científicas no Brasil na produção de insumos e medicamentos, ainda é cedo para se pensar em vacinação em massa com o novo imunizante totalmente nacional. Isso só deve ocorrer a partir de 2025. O Instituto Butantan ainda tem algumas etapas a cumprir antes de conseguir produzir a vacina para o SUS.

“Em junho devemos concluir os cinco anos de seguimento dos voluntários. Quando esses dados estiverem consolidados, saberemos qual é a longevidade da proteção induzida pela vacina”, disse Kallás.

Ainda segundo o diretor do Instituto Butantan, a expectativa do grupo é apresentar um relatório à Anvisa no segundo semestre deste ano para pedir o registro do produto.

“Se tudo correr bem, devemos conseguir a aprovação definitiva em 2025. Já temos infraestrutura para produzir o imunizante no Butantan, embora ela ainda possa ser aprimorada, afinal, são quatro vacinas em uma”, ressalta.

Promessa de reduzir mortes e hospitalização

Para o Governo do Estado de São Paulo, a publicação do estudo representa “uma nova perspectiva para o combate da doença em meio ao aumento de casos de dengue no Brasil”. Nas quatro primeiras semanas de 2024, o Ministério da Saúde registrou 217.841 casos prováveis da dengue, com 15 mortes confirmadas e 149 sob investigação.

No Brasil, o vírus da dengue é considerado hiperendêmico, ou seja, sua alta prevalência se mantém constante no país ano após ano. No apanhado de 2023, foram registrados 1,6 milhão de casos prováveis até novembro. Com base nos números, a incidência calculada no país atualmente é de 107,1 casos para cada grupo de 100 mil habitantes, enquanto a taxa de letalidade da doença está em 0,9%.

“O custo da dengue é absurdo no Brasil e a expectativa é que a vacina reduza a mortalidade e as hospitalizações pela doença. O investimento feito pelo governo brasileiro no desenvolvimento do imunizante nacional, na casa das centenas de milhões de reais, terá um impacto enorme em termos de saúde pública”, avalia Nogueira.

Eficácia chega a 90% entre pessoas de 18 a 59 anos

O artigo traz resultados dos primeiros dois anos do ensaio clínico de fase 3, que teve início em fevereiro de 2016 e envolveu 16.235 participantes de 13 estados. Participaram do estudo pesquisadores de 16 centros brasileiros, localizados nas cinco regiões do país, sob a coordenação do Butantan.

A proteção foi observada em todas as faixas etárias, sendo 90% em adultos de 18 a 59 anos, 77,8% dos 7 aos 17 e 80,1% nas crianças de 2 a 6 anos.

Em pessoas que já apresentavam anticorpos para a dengue antes do estudo, a proteção foi de 89,2%; naqueles que nunca tiveram contato com o vírus, a eficácia foi de 73,6%.

Contra o sorotipo 1 da dengue (DENV-1) a eficácia foi de 89,5% e, contra o sorotipo 2 (DENV-2), de 69,6%. Não foi possível avaliar o desempenho contra os sorotipos 3 e 4 porque não houve circulação do vírus durante a realização do estudo.

“Dados da fase 2 [do estudo clínico] indicam que os quatro sorotipos virais atenuados que compõem a Butantan-DV se multiplicam no organismo e induzem uma resposta equilibrada em termos de produção de anticorpos. Isso nos leva a crer que a eficácia contra o DENV-3 e o DENV-4 também será boa”, afirma.

Durante esse período, foram notificados apenas alguns casos de dengue entre os participantes. O estudo, que iniciou o recrutamento em 2016, seguirá até que todos os voluntários completem cinco anos de acompanhamento.

Grupo de pesquisadores também atuou no ensaio clínico da Coronavac

Esta terceira fase da pesquisa, que deve ser concluída em junho, é possivelmente o maior ensaio clínico de uma vacina já feito exclusivamente no país. A vacina começou a ser desenvolvida no Instituto Butantan em 2010 com apoio da Fapesp, a partir de uma formulação criada por pesquisadores vinculados ao National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos.

Os ensaios clínicos começaram no Brasil em 2013, com apoio da Fundação Butantan e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no âmbito do projeto “Desenvolvimento de uma vacina tetravalente contra a dengue”,coordenado por Neuza Frazatti Gallina, que recebeu em 2023 o Prêmio Péter Murányi.

“Além disso, há benefícios secundários que já podemos observar. Esse mesmo grupo que fez o estudo agora publicado fez o ensaio clínico da CoronaVac durante a pandemia de Covid-19. A gente já estava preparado. A formação dessa rede de pesquisa em vacinas é um patrimônio que o governo brasileiro tem de manter, porque isso permite responder muito rapidamente a outras necessidades que venham a surgir no futuro.

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Agenda Positiva – sos dengue

Centro de Operações de Emergência vai monitorar casos de dengue

Ministra da Saúde anunciou nova medida para enfrentamento da dengue (Foto Júlia Prado (MS)

Para ampliar e agilizar a organização de estratégias de vigilância, frente ao aumento de casos de dengue no Brasil – e especificamente no Rio de Janeiro, onde a alta de casos é bastante elevada – o Ministério da Saúde instalou, nesta quinta-feira (1º), um Centro de Operações de Emergência – COE Dengue. O anúncio foi feito pela ministra Nísia Trindade durante a abertura da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), em Brasília (DF)

A medida permite uma análise minuciosa, porém ágil, dos dados e das informações para subsidiar a tomada de decisão e definição de ações adequadas e oportunas para o enfrentamento dos casos.

Com o acionamento do COE, o Ministério da Saúde vai ampliar o monitoramento da situação para orientar a execução de ações voltadas à vigilância epidemiológica, laboratorial, assistencial e de controle de vetores. O planejamento das ações e a resposta coordenada serão feitos em conjunto com estados e municípios e de forma interministerial.

“A mensagem é de mobilização nacional, de união de esforços com estados e municípios. De um Brasil unido contra a dengue. Nós estamos, desde novembro, com uma série de ações para monitorar o avanço da doença. Temos o SUS, com toda sua capilaridade, os Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias. É um movimento de governo, mas também precisamos do apoio da sociedade”, frisou a ministra.

Em 2024, até o momento, o Brasil registrou 243.721 casos prováveis de dengue, sendo 52.069 casos na semana epidemiológica 1 (31/12 a 6/1), 63.995 na semana 2 (7 a 13/1), 79.872 casos prováveis de dengue na semana 3 (14 a 20/1) e 47.785 casos na semana epidemiológica 4 (21 a 27/4). Os dados são do painel de atualização de casos de arboviroses do Ministério da Saúde

Com informações da Agência Fapesp, Gov-SP e Ministério da Saúde
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